domingo, 12 de agosto de 2007

O queijo e o "sabão de escrever"

Abaixo, trechos de um capítulo do curso gratuíto de tradutologia oferecido pela empresa LOGOS, um bureau de serviços na área de lingüística. O curso fornece uma base teórica interessante para aqueles que (como eu) não têm formação acadêmica em letras / tradução.


Para conferir o curso completo:

http://www.logos.it/pls/dictionary/linguistic_resources.traduzione_bp?lang=bp

Jakobson e a Tradução (Primeira Parte)

Entre as obras de Jakobson, destaca-se sobremaneira um ensaio, de 1959, por sua importância no âmbito das reflexões gerais e fundamentais sobre os problemas da tradução. On Linguistic Aspects of Translation concentra, em sete páginas, o que mais de quarenta anos depois continua sendo um recurso incomparável para aqueles que investigam a natureza do processo de tradução. [...]

Um dos primeiros e mais importantes critérios é o seguinte:

"No one can understand the word 'cheese' unless he has a nonlinguistic acquaintance with cheese" (Não pode entender a palavra "queijo" quem careça de um conhecimento não lingüístico do queijo).

É uma frase de Bertrand Russell, citada Jakobson. O que Russell afirma é que as palavras, por si sós, são incapazes de transmitir significados que não tenham raízes em uma experiência direta e subjetiva do objeto do discurso.

É uma afirmação controvertida para um tradutor, pois sua aceitação implicaria que para um sujeito não familiarizado com uma cultura determinada seria impossível assimilar palavras que façam referência a conceitos ou objetos próprios de tal cultura e alheios à do tradutor.

Jakobson questiona essa afirmação com o argumento de que a solução consistiria em explicar que "queijo" significa "alimento obtido por maturação da coalhada". Para um indivíduo pertencente a uma cultura na qual não existisse o queijo, bastaria saber o que é "coalhada" para ter uma idéia do que pode significar "queijo". O processo de significação age com freqüência deste modo. Quando se diz que, depois de escapar do Egito, os judeus se alimentaram de "maná" em sua longa travessia, como leitores da Bíblia, embora nunca tenhamos comido maná, podemos ter uma idéia do que significa, que será diferente para cada um, embora com características comuns.

Jakobson obtém desta argumentação uma conclusão fundamental:

"The meaning [...] of any word or phrase whatsoever is definitely [...] a semiotic fact" (O significado de qualquer palavra ou frase é sempre um fato semiótico).

Não tem sentido, portanto, atribuir um significado (signatum) ao objeto em si nem ao signo (signum): ninguém percebeu jamais o odor ou sabor do significado de "queijo" ou "maçã". Somente pode existir signatum se existe signum. Uma pessoa que saboreie um queijo gorgonzola ou emmenthal não pode deduzir, sem a ajuda de um código verbal, o significado da palavra "queijo", porque, para explicar o significado de uma palavra desconhecida, é necessário contar com uma série de signos lingüísticos.

O significado de uma palavra - se permanecemos no contexto verbal - não é outra coisa que sua tradução para outras palavras. Aqui observamos a importância da tradução, em um sentido amplo, para a comunicação em geral e para a comunicação intercultural em particular. Sem tradução seria impossível alcançar que uma pessoa compreendesse objetos que não façam parte de sua cultura. [...]

Explicar o significado de uma expressão com outras palavras é sempre fruto de uma interpretação, que pode variar em função de quem o faça. A partir deste fato, podemos também deduzir a variedade de versões possíveis que oferece a tradução interlingüística. [...]

É impossível definir um único método para enfrentar o problema do resíduo ou perda na tradução. Por exemplo, o povo chukchi, do noroeste de Sibéria, chama a rosca de "prego giratório", o aço de "ferro duro", a lata de "ferro delgado" e o giz de "sabão de escrever"

Porém, como sabe muito bem qualquer tradutor técnico ou literário, nem sempre basta dizer a palavra justa; muitas vezes é essencial dizê-la também da maneira adequada. [...]

Bibliografia

JAKOBSON R. On Linguistic Aspects of Translation, in Language in Literature, edição de Krystyna Pomorska e Stephen Rudy, Cambridge (Massachusetts), Harvard University Press, 1987, p. 428-435. ISBN 0-674-51028-3.

Para quem se habilitar, fica a questão: Como aplicar os conceitos acima à tradução de livros sobre “vida cristã” ou “espiritualidade”, por exemplo, nos quais não faltam termos intimamente associados a elementos culturais norte-americanos?

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