Estou lendo em doses homeopáticas o livro Maravilhosa Bíblia (São Paulo: Ed. Mundo Cristão, 2008) de Eugene Peterson, tradução de Neyd Siqueira.
Comecei pela Parte II sobre Lectio Divina, uma prática a ser resgatada e da qual Peterson trata de modo bastante proveitoso.
A Parte III – “A companhia dos tradutores”, de grande interesse para nossa área, fala das traduções da Bíblia e do papel do tradutor em sua compreensão.
Há quem imagine que a tradução dos textos bíblicos é trabalho do passado remoto, encerrado com a Bíblia King James ou a versão de João Ferreira de Almeida. Mas é preciso lembrar que ainda há muitos tradutores labutando para captar com precisão as várias nuanças da Palavra em suas línguas originais e transmiti-las a nós em linguagem viva e acessível. Alguns desses tradutores, como o próprio Eugene Peterson (Bíblia The Message), têm renome internacional; outros trabalham no quase anonimato em várias partes do mundo, inclusive em solo brasileiro.
Quer sejamos ligados à área editorial ou não, é nosso privilégio como cristãos orar por esses tradutores e apoiá-los de acordo com nossas oportunidades e possibilidades.
Afinal, nas palavras do filósofo e teólogo Franz Rosenzweig: “Cada tradução é um ato messiânico que torna a redenção mais próxima”.
A tradução das Escrituras tornou-se necessária centenas de anos antes dos dias de Jesus. O mesmo aconteceu com a igreja primitiva, quando a sua língua original, o hebraico, foi gradualmente substituída na vida diária do povo de Deus, primeiro pelo aramaico, depois pelo grego.
A tradução para o aramaico desempenhou um papel decisivo nos anos que se seguiram à volta de Israel do exílio babilônico, no século IV a.C. Em 583 a.C., o líder persa Ciro, que tinha idéias liberais, livrou Israel de seus anos de exílio, permitindo que o povo voltasse à terra natal, na Palestina. O aramaico era a língua oficial do império perda […] os idiomas que incluíam o hebraico de Israel foram postos de lado pelo aramaico, a língua oficial do governo e do comércio. […]
Temos um vislumbre do início desse processo de transformação do hebraico para o aramaico na história de Esdras e Neemias. […] [que] haviam viajado das regiões orientais do império persa para Jerusalém a fim de encorajar os desmoralizados judeus, que haviam retornado do exílio na Babilônia. […]
Esdras levou consigo uma cópia da Lei de Moisés escrita em hebraico original. […]
Havia, porém, um problema. O povo, que perdera o contato com o próprio passado, também se distanciara de sua língua, o hebraico; embora a maioria deles certamente a compreendesse, não era mais a língua materna. […] As pessoas tinham sido criadas falando aramaico. […]
Aparentemente, o grande empreendimento de recuperação da identidade almejado por Esdras exigia a ajuda de intérpretes. Por sorte, os levitas, a classe sacerdotal responsável por manter contato com suas raízes mosaicas, continuaram bons conhecedores do hebraico. Assim, enquanto Esdras lia o rolo escrito em hebraico, treze levitas colocados estrategicamente no meio da congregação reunida, ficavam “interpretando-o e explicando-o, a fim de que o povo entendesse o que estava sendo lido” (Ne 8:8).
“Explicando-o” não era, provavelmente, uma tradução no sentido estrito do termo, mas uma ajuda ao povo, ao explicar e interpretar o que Esdras lia naquele texto longo, negligenciado e, agora, pouco familiar. […] foi uma iniciativa que fez mais do que simplesmente fornecer termos equivalentes às palavras lidas naquele dia. O trabalho de tradução interpretativa dos levitas envolveu a vida, o coração e a alma, e não apenas a mente do povo: a princípio, as pessoas choraram e depois se regozijaram, “pois agora compreendiam as palavras que lhes foram explicadas” (Ne 8.9-12). Esse é o resultado pretendido pela verdadeira tradução: provocar o tipo de compreensão que envolve a pessoa inteira em lágrimas e riso, coração e alma, naquilo que é escrito e é dito.
Leia a sinopse, um trecho do livro e comentários no site da Editora Mundo Cristão.