sábado, 9 de fevereiro de 2008

Fidelidade

Há tempos estou lendo em doses homeopáticas Quase a mesma coisa – experiências de tradução (Record, 2007; trad. Eliana Aguiar), o texto instrutivo e espirituoso de Umberto Eco sobre a fidelidade na tradução.

Como fã de carteirinha dos escritos de Eco, não sou a pessoa ideal para tecer comentários muito objetivos. Deixo registrado, apenas, que a leitura é de dar gosto até para os alérgicos à teoria da tradução. Quem quiser saber mais sobre Quase a mesma coisa pode ler uma crítica extensa e pertinente no Jornal do Brasil (indicada pela Paula Góes em seu post sobre o livro na Liga dos Tradutores).

Abaixo, trechos da introdução que resumem o modo como Eco trata do tema:

O que quer dizer traduzir? A primeira e consoladora resposta gostaria de ser: dizer a mesma coisa em outra língua. Só que, em primeiro lugar, temos muitos problemas para estabelecer o que significa “dizer a mesma coisa” e não sabemos bem o que isso significa por causa daquelas operações que chamamos de paráfrase, definição, explicação, reformulação, para não falar das supostas substituições sinonímicas. Em segundo lugar, porque, diante de um texto a ser traduzido, não sabemos também que é a coisa. E, enfim, em certos casos é duvidoso até mesmo que quer dizer dizer. {...]

Eis os sentidos dos capítulos que se seguem: tentar compreender como, mesmo sabendo que nunca se diz a mesma coisa, se pode dizer quase a mesma coisa. [...]


O curso on-line Logos também trata da fidelidade em pelo menos duas unidades. Destaco alguns pontos interessantes da primeira:

Translations must be faithful. On this requirement there is a general consensus in the scientific community and among translators. On the condition that nobody should get the idea of questioning what is meant by "fidelity", of course. Because, in such a case, one would realize that the consensus is achieved by "fidelity" meaning something vague, generically positive, vaguely corresponding to "goodness". A good translation is always faithful. And a faithful translation is always good. Tout se tient. [...]

Actually, the notion of "fidelity" also traveled through centuries in the writings of people speaking about translation without tracing a reconstructable coherent guideline.
In the 17th century in France there was a wide diffusion of the so-called belles infidèles, the "free" translations. With an extended macho metaphor concerning the division of women in two parts: the beautiful ones (hence necessarily unfaithful) and the ugly ones (hence necessarily faithful), translations were catalogued in this way, too.
The "ugly ones" are considered "faithful" because they would follow the phrase and the lexical structure of the original step-by-step. The "beautiful" ones should be unfaithful because they don't, preferring to the original structure the structure best accepted in the receiving culture to the original, and to the original's lexicon a lexicon produced spontaneously.
Such a view of fidelity/infidelity, and the preference for the latter, had been endorsed already in 46 Ancient Era by Cicero in the work Libellus de optimo genere oratorum.
The most quoted and most meaningful sentence writes:

I translated as an orator, not as an interpreter of a text, with the same expressions of thought, with the same ways of rendering it, with a lexicon appropriate to our language's character. In them I have tried not to render word for word, but I maintained each character and each expressive efficiency of the very words. Because I thought not more convenient to the reader to give him, coin after coin, a word after another: rather, pay him his due in the entire sum.

From this passage it is clear that the text adaptation proposed by Cicero is closer to the sense of reading functionality than philological precision. All the more so when he states he translates "as an orator", i.e. as a person who wants himself well, and easily understood, and read, not "as an interpreter", i.e. not as a hermeneutist philologist of the original.
The notion of "faithful translation" is here considered analogous to "word-for-word translation", but neither is this over-two-thousand-years-old view is the only way to understand "fidelity".


O livro de Eco nos convida à essa reflexão acerca da fidelidade na prática diária. Seu último parágrafo propõe:

A conclamada “fidelidade” das traduções não é um critério que leva à única tradução aceitável [...] A fidelidade é, antes, a tendência a acreditar que a tradução é sempre possível se o texto fonte foi interpretado com apaixonada cumplicidade, é o empenho em identificar aquilo que, para nós, é o sentido profundo do texto e é a capacidade de negociar a cada instante a solução que nos parece mais justa.

Se consultarem qualquer dicionário, verão que entre os sinônimos de fidelidade não está a palavra exatidão. Lá estão antes lealdade, honestidade, respeito, piedade.


Qual é sua visão da fidelidade? Como você procura manter o texto traduzido fiel ao original?

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