Ao pôr-do-sol de ontem, 19 de abril, iniciou-se o Pesach, a Páscoa dos judeus. A data que relembra a saída do povo hebreu do Egito (Êxodo 12), uma ocasião não apenas histórica, mas também simbólica do plano de redenção de Deus.
Na noite em que os hebreus se preparavam para sair do cativeiro, conforme as instruções dadas por Deus a Moisés, o Senhor feriu todos os primogênitos do Egito “desde o primogênito de Faraó, que se assentava no seu trono, até ao primogênito do cativo que estava na enxovia, e todos os primogênitos dos animais” (Êx 12.29), mas passou sobre as casas dos hebreus que haviam sido marcadas com o sangue do cordeiro. Daí o nome hebraico Pesach que significa “passar sobre” ou “proteção”. Em português, a festa é chamada de Páscoa dos judeus e, em inglês, é Passover, termo introduzido no século XVI pelo reformador e tradutor inglês William Tyndale.
Passover é apenas um de vários termos e expressões introduzidos por Tyndale na língua inglesa e posteriormente adotados na Versão King James da Bíblia.
Mas quem foi Tyndale e por que escolhi escrever sobre ele ao lembrar a Páscoa dos judeus?
Além da ligação óbvia mencionada acima, Tyndale pode ser identificado com a obra redentora simbolizada pela Páscoa dos judeus de outra forma.
Depois de estudar em Oxford e, possivelmente, em Cambridge, Tyndale se lançou à tarefa de traduzir a Bíblia, pois julgava necessário disponibilizar as Escrituras até mesmo para os camponeses. Uma vez que não encontrou nenhum apoio para seu projeto na Inglaterra, mudou-se para Alemanha e nunca mais voltou à sua terra natal. Nos anos que seguiram sua mudança, Tyndale teve de fugir várias vezes da perseguição católica, mas depois de trabalho intenso, conseguiu concluir a tradução do Novo Testamento.
Ao entrar em circulação em 1526, o Novo Testamento em inglês vernáculo causou furor entre os religiosos conservadores que acusaram Tyndale de heresia. Cuthbert Tunstall, bispo de Londres, comprou todas as cópias da obra que conseguiu encontrar e queimou-as em praça pública. Graças a um comerciante amigo de Tyndale que intermediou a negociação desses livros, Tyndale recebeu o dinheiro da venda e usou-o para revisar o texto já traduzido, traduzir outras partes da Bíblia e publicar esse material com tiragens ainda maiores.
Durante sua estadia em Antuérpia, na Holanda, Tyndale começou a trabalhar na tradução do Pentateuco. John Foxe relata um episódio com o qual quase todo tradutor pode se identificar, ainda que em menor grau: “Depois de terminar a tradução de Deuteronômio, pensando em imprimi-lo em Hamburgo, Tyndale para lá zarpou. Na costa da Holanda sofreu um naufrágio no qual perdeu todos os seus livros, escritos, cópias, seu dinheiro e tempo, e assim foi obrigado a começar tudo de novo. Tomou outro navio para Hamburgo onde, a seu pedido, Mestre Coverdale estava à sua espera e o ajudou a traduzir por inteiro os cinco livros de Moisés, trabalhando da Páscoa até dezembro” (O livro dos mártires. Trad. Almiro Pisetta. São Paulo: Ed. Mundo Cristão).
Além dos trabalhos de tradução, Tyndale produziu vários comentários bíblicos e tratados. Acredita-se que 83% da Bíblia King James são baseados em sua tradução dos originais hebraicos e gregos.
Sua insistência em tornar o texto bíblico acessível e compreensível a pessoas de todas as classes resultou em perseguição ainda mais intensa e, em 6 de outubro de 1536 o tradutor foi estrangulado e queimado na fogueira como herege depois de um ano e meio de encarceramento.
John Foxe descreve a influência de Tyndale sobre seus algozes: “Tal foi o poder de sua doutrina e a sinceridade de sua vida que durante o tempo de seu encarceramento [...] ele converteu, segundo dizem, seu guarda, a filha do guarda e outros da mesma família.
Quanto ao seu trabalho de tradução, o próprio Tyndale declarou: “Peço a Deus que registre para o dia em que deveremos comparecer perante o Senhor Jesus que nunca alterei uma sílaba da Palavra de Deus contra minha consciência. Tampouco o faria hoje, nem para ter em troca tudo que existe na Terra, seja honra, prazer ou riqueza”.
Como cristão, Tyndale possuía uma compreensão profunda da obra redentora simbolizada pelo Passover. Viveu em sua época e contexto, as palavras do apóstolo Paulo em 1Coríntios 5.7: “Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Por isso, celebremos a festa não com o velho fermento, nem com o fermento da maldade e da malícia, e sim com os asmos da sinceridade e da verdade”.
Seu amor ao Senhor e à Palavra teve resultados bastante práticos em seu ofício de tradutor. Encontrou em Deus forças para começar de novo depois de perder uma grande quantidade de trabalho e sabedoria para buscar a ajuda de outros em seus projetos. Por fim, preferiu morrer a abrir mão da fidelidade aos textos originais.
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