A certa altura, Eco observa:
Como primeira tentativa, tento compreender o sentido literal, se não for ambíguo, e correlacioná-lo eventualmente a mundos possíveis: assim, se leio Branca de Neve come uma maçã, saberei que um indivíduo de sexo feminino está mordendo, mastigando e engolindo pouco a pouco uma fruta assim e assado, e farei uma hipótese sobre o mundo possível onde se está desenrolando a cena. É o mundo em que vivo e no sal se considera que an apple a day keeps the doctor away ou um mundo fabulístico onde, ao comer uma maçã, pode-se cair vítima de um sortilégio? Se decidisse pelo segundo sentido, é claro que recorreria a competências enciclopédicas, entre as quais existem também as competências de gênero literário, e a enredos intertextuais (nas fábulas acontece geralmente que...). Naturalmente, continuarei a explorar a Manifestação Linear para saber algo mais sobre essa Branca de Neve e sobre o lugar e a época em que se desenrola a história.
Mas é bom notar que, se lesse Biancaneve ha mangiato la foglia [Branca de Neve comeu a folha], provavelmente recorreria a uma outra série de conhecimentos enciclopédicos, com base nos quais os seres humanos raramente comem folhas: daí daria início a uma série de hipóteses a serem verificadas no curso da literatura para decidir se Branca de Neve não seria, por acaso, o nome de uma cabritinha...
“Paulo e suas senhoritas” e Branca de Neve com suas maçãs e folhas servem para nos lembrar da importância de mantermos o contexto em mente a todo tempo enquanto trabalhamos. Um tradutor pouco familiarizado com textos bíblicos que se esquecesse do contexto poderia, por exemplo, considerar aceitável traduzir a high priest [um sumo sacerdote] como “um padre embriagado” e assim por diante.
Além do contexto imediato da frase, não podemos nos esquecer do pano de fundo mais amplo: a obra em que se encontra e o tempo, a cultura e a realidade em que foi escrita.
Eco termina o capítulo comentando:
Como em um texto com finalidade estética colocam-se relações sutis entre os vários níveis de expressão e do conteúdo, é em torno da capacidade de identificar esses níveis, de restituir um ou outro (ou todos, ou nenhum) e de saber colocá-los na mesma relação em que estavam no texto original (quando possível), que se joga o desafio da tradução.
Se você tem exemplos de frases traduzidas fora de contexto, compartilhe-as conosco, acompanhadas, evidentemente, da tradução apropriada.
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